terça-feira, 18 de setembro de 2012

Vanessa deixou os aviões e agora faz bolos com purpurinas

Foi hospedeira de bordo, deu aulas a imigrantes detidos, traduziu cartas de Kofi Annan. Vanessa Marques, 28 anos, criou A Toca do Bolo, em Santa Maria da Feira. 

Foto: P3 (Público)
A vida de Vanessa mudou a 13 de Maio do ano passado. Pela primeira vez, as suas mãos manejavam pastas de açúcar num workshop de cake design. Nunca antes tinha feito um bolo. Quatro meses depois, em Setembro do ano passado, investia no próprio negócio na cidade da Feira sem recurso a empréstimo bancário. Pisou terreno desconhecido, mas arriscou com a noção da realidade. 

Recorreu às suas poupanças, contou com algum dinheiro dos pais. Um ano depois, o investimento está pago e a crise continua a passar-lhe ao lado. “Tem corrido melhor do que pensava. Ora estou a dar formação, ora a vender, ora a fazer um bolo”, conta. E o seu primeiro bolo foi uma zebra sentada num sofá para os anos de um amigo. No seu aniversário, no último, criou um bolo postal com fotos dos amigos convidados para a festa. Um êxito. 

O nome ficou para último. A Toca do Bolo surgiu espontaneamente e o trocadilho funciona. Resulta. Fica no ouvido. A loja está apetrechada com uma cozinha e vende ingredientes, utensílios, artigos para confecção e decoração de bolos, pastas de açúcar de muitas cores, purpurinas comestíveis. E muitas outras coisas. 

Todas as semanas, Vanessa ensina a decorar bolos com imaginação, a fazer cupcakes, queques e biscoitos em formações personalizadas com o máximo de quatro pessoas à volta da mesa. Mais mulheres do que homens, crianças de vez em quando. Não está arrependida da volta que deu à vida. O retorno acontece, sem dívidas às costas. “Não tiro um grande lucro, ou um grande ordenado, mas tenho tudo pago”, garante. A criatividade é aquela parte do cake design que a fascina. “Cada bolo é sempre diferente e isso é sempre um desafio”, diz ao P3. 

Estar muito tempo a fazer a mesma coisa não faz parte do seu modo de estar. Mas em tudo o que se envolve, mesmo que por pouco tempo, empenha-se a fundo. Licenciou-se em Relações Internacionais na Universidade de Coimbra e tirou um mestrado na mesma área na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 

Fez Erasmus em Bruxelas e aí bateu à porta da delegação da ONU. Conseguiu um estágio de um ano a traduzir para português todas as cartas que saíam da ONU dos Estados Unidos, cartas do então secretário-geral Kofi Annan incluídas. “Foi espectacular, foi o primeiro contacto com a acção humanitária. Estava sempre ocupada e tinha tempo para tudo”, recorda. Estudava, estagiava e era babysitter à noite. Tinha pouco mais de 20 anos. 

Da Ryanair aos transportes urgentes 
Regressou e voltou a fazer as malas antes de terminar o curso. Partiu para Praga, para um estágio nos escritórios da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo), através da embaixada de Portugal. Ao mesmo tempo, fazia os trabalhos e estudava para os exames que iria ter em Portugal. Foi hospedeira de bordo, esteve seis meses ao serviço da Ryanair e viveu em Londres. Dos oito aos 15 anos, morou em Antuérpia, na Bélgica. Fala cinco línguas: português, inglês, francês, holandês e espanhol. Durante quatro meses, deu aulas de Português, como voluntária, a imigrantes ilegais num centro de apoio no Porto. 

“Poderá ser defeito meu, mas quando entro num sítio e vejo que é a sempre a mesma coisa, penso sempre que posso aprender coisas novas”, confessa. Pensa e faz. Trabalhou numa empresa de transportes urgentes, em Vila Nova de Gaia, que opera com grandes empresas na Europa. Stress à flor da pele durante cinco meses. Por vezes, em pouco mais de uma hora, tinha de tratar de tudo para que um camião estivesse na estrada carregado de mercadoria em direcção a Espanha ou França. 

“Era um trabalho um pouco stressante porque tudo era sempre urgente”. Estava no turno das seis da manhã às três da tarde. Tinha metade da tarde livre. “Precisava de fazer algo extra”. Matutou no que havia de fazer e na Internet esbarrou com uma formação de cake design em São João da Madeira. Achou piada aos bolos, inscreveu-se e quatro meses depois era empresária por conta própria no ramo. Não sem antes passar pela Istofaz-se, escola profissional de decoração artística de bolos no Porto. E depois Vanessa? O bichinho da área humanitária continua bem vivo...

@ P3

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