segunda-feira, 28 de maio de 2012

Santa Maria da Feira conquistou o Imaginarius



Doze anos passados desde a primeira edição, eis que poderemos afirmar, definitivamente, que Santa Maria da Feira conquistou o Imaginarius. O Festival Internacional de Teatro de Rua que nascera numa época de vacas gordas cresceu nesses mesmos moldes, sem se desviar para um ritmo mais caseiro e de produção própria, apoiado num número menos vasto de grandes projectos internacionais, mas tirando deles o sumo e a inspiração para a componente criativa local. Nos últimos anos, algumas tentativas foram feitas nesse sentido, mas o conceito não colou. Dada a situação financeira a edição 2011 chegou mesmo a ser posta em causa.
O festival vingou e adaptou-se à nova realidade. Mas a mutação não ficou por aqui. Rumo à edição 2012 optou-se por um novo conceito, uma nova direcção de conteúdos e um novo figurino para o festival.
Primeiro balanço: absolutamente positivo. Mesmo sem dar, ainda, resposta a todos os pontos passíveis de melhora, o festival voltou a crescer em número e qualidade das apresentações, reduzindo o impacto financeiro dos macro-espectáculos. Nesta edição contamos apenas com um projecto dessa envergadura, e um outro de dimensão mediana. Toda a restante programação se construiu com base em espectáculos de dimensão mais pequena, dando destaque à produção nacional e acima de tudo ao produto da casa. À 12ª edição, o Imaginarius contou com 5 criações originais que envolveram mais de 1700 pessoas da comunidade. Os feirenses falam agora no nosso Imaginarius… o festival deixou de ser um produto alheio: concebido e gerido artisticamente por um projecto paralelo, para passar a dar voz à comunidade e assumir-se no sentido de pertença local.


Quanto a números: os mesmos três dias, mas com menos uma noite e reforço da programação diurna; 70 apresentações de 37 companhias, oriundas de 9 países; destaque para 4 estreias nacionais, 5 criações Imaginarius e 14 projectos na programação off (Mais Imaginarius); por fim, destaque ainda para alguns projectos que se auto-convidaram para o festival e saíram à rua tal e qual fazem os originários artistas de rua… sem marcação e com o chapéu à frente.

Tempo agora para uma análise mais profunda de alguns dos pormenores desta edição:
i) Espaço Imaginarius
Há muito que defendo a criação de algo a este nível. A designação parece-me perfeita, mas em 2012 foi apenas um espaço para artistas e organização. Penso que no futuro seria de equacionar um alargamento deste local ao público.
A localização é perfeita, então porque não apostar numa espécie de mercado da criatividade? Centralizar workshops (em maior número), conversas, partilhas e pequenos espectáculos nos vários espaços do mercado. Porque não abrir as portas aos artistas de rua puros que queiram aparecer e participar?
Em paralelo, uma das maiores críticas que continuo a ouvir do festival prende-se com a alimentação. Acredito que este espaço poderia dar resposta, com a disponibilização de espaços para refeições ligeiras, snacks e bebidas durante todo o festival.

ii) Novo figurino
Parece-me bem, mas duas noite sabem a pouco. A prospecção de mercado, abraçando o nicho das famílias ao Domingo à tarde, com alguns ajustes, parece-me bem conseguida. No entanto, um Imaginarius com duas noites parece que sabe a pouco. E se em paralelo um encerramento ao fim da tarde de Domingo acrescenta o mesmo sentimento, porque não prolongar um pouco mais o projecto no Domingo e fechar às 20h/21h com um espectáculo macro ao anoitecer? Porque não criar esse projecto por cá?
Aqui entra a Caixa das Artes… uma estrutura em fase de concurso para o seu espaço físico, mas que com as condições logísticas actuais pode e deve, desde já, avançar para o terreno. Quero eu dizer que mesmo antes da obra concluída, esta estrutura deve rapidamente decidir a sua concepção artística, avançando imediatamente para a criação. Não fará qualquer sentido ter um edifício pronto e não haver em curso trabalho que o possa ocupar no imediato.
Em resumo, gostaria de ver em 2013, no encerramento do Imaginarius, uma mega produção com macro-estruturas e com carimbo feirense (sim, sei que com o know-how adquirido é possível fazer-se e com grande qualidade) e com o selo Caixa das Artes.
Por outra lado, porque não explorar os últimos ensaios das produções originais, com o selo de ensaio aberto, dinamizando um maior número de noites pré-festival. À semelhança do que em tempos já foi feito, por exemplo com o Texturas?


iii) Animação de Rua
Um dos pontos negativos desta e de outras edições. Esta vertente nunca foi devidamente explorada, mas quando apostamos num festival com menor número de projectos grandiosos a animação circulante é fundamental. Este ano contamos com apenas um projecto circulante, a somar aos auto-convidados e à fabulosa animação de alguns dos ardinas Imaginarius.
Um ponto passível de melhora futura.

iv) Grelha de Progamação
Um dos problemas mais antigos do Imaginarius prende-se com as alterações de última hora. No Imaginarius, ao contrário de outros eventos, como a Viagem Medieval ou a Terra dos Sonhos, o visitante (pelo menos grande parte) define percursos antes de chegar a Santa Maria da Feira, pelo que qualquer alteração possa criar insatisfação e complicações. Nesta edição o problema continuou patente. Obviamente que se compreende que com o cancelamento forçado dos espectáculos da companhia Cirque Hirsute, o outro espectáculo do Tribunal ficaria isolado, daí que a alteração para o Rossio e o atraso de uma hora motivado por outros projectos até possa ser minimamente compreensível. Mas o mesmo não se pode dizer das alterações múltiplas no teste da tarde de Domingo. Falamos de alterações mínimas de 15 minutos, com antecipações e atrasos, mas a este nível tudo isso deverá ser evitado.
Um outro ponto prende-se com a continuidade a programação entre a tarde e a noite, especialmente ao Sábado. Como já tinha sido patente noutras edições, entre as 19h e as 21h são centenas, senão milhares, os visitantes que continuam no recinto do Imaginarius sem que haja qualquer apresentação. Vão-se entretendo com ensaios e testes até que chegue a hora das apresentações. Um ponto a reequacionar… e até uma simples animação circulante poderia minimizar este efeito.
Deixo ainda a sugestão para que o conceito da música de rua possa ser explorado em próximas edições. O efeito conseguido com o pequeno concerto na tarde de Domingo, nesta edição, deixa patente a pertinência do conceito. E nesta onda de parcerias, porque não uma extensão do projecto “Música na Rua”, do Metro do Porto?


v) Mercado de Rua

Poucas palavras serão necessárias para descrever uma aposta mais do que ganha.

vi) Concerto de Encerramento da Noite de Sábado
Desde sempre apoiei este conceito que há algum tempo estava perdido. De qualquer forma acredito que no Imaginarius seja possível ir mais além. Porquê fazer apenas um concerto? E que tal conceber algo Imaginarius para acontecer em paralelo? Uma projecção interactiva num edifício, uma estrutura cénica alternativa, voltar a mascarar o centro histórico… múltiplas possibilidades poderão ser equacionadas.

vii) Criações Imaginarius
Não poderei pronunciar-me a 100%, até porque não tive oportunidade de assistir ao produto final de duas das cinco criações desta edição. De qualquer forma, parece-me que a componente comunitária se apoderou em demasia deste conceito. Por outro lado, a nível de projectos profissionais ou profissionalizantes, nada temos para apresentar.
Uma vez mais, a Caixa das Artes será fundamental neste âmbito. Mesmo sem o espaço físico definitivo, a estrutura terá condições para começar desde já a funcionar, podendo associar-se a companhias locais, ou não, para produzir projectos originais. Penso que está na altura de em paralelo podermos observar projectos em que haja mais espectáculo e grandiosidade cénica, em detrimento do número de participantes (olhe-se para o conceito dos Xirriquiteula na tarde de Domingo, em que 5 pessoas conseguiram mais espanto do que centenas em alguns dos espectáculos nocturnos). Isto, sem impossibilitar a continuidade do excelente projecto comunitário fruto da parceira entre o festival e várias entidades neste domínio.


Como nota final, deixo uma avaliação plenamente positiva desta edição, com pontos passíveis de melhora e, obviamente, com sugestões para que sustentadamente o festival possa crescer e deixar apenas de ser uma marca internacional, para que possa ser verdadeiramente activo nas parcerias com outros festivais e entidades em Portugal e no Mundo.
Ainda um pormenor, a designação. Para quando o Imaginarius – Festival Internacional de Artes de Rua de Santa Maria da Feira? Há muito que o teatro deixou de ser rei de um festival que é aberto a todas as actividades artísticas apresentadas no espaço público.

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