sábado, 14 de abril de 2012

Presidente do Sindicato de Jogadores não exclui o cenário de greve no futebol profissional

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, revelou que 80 por cento dos clubes profissionais portugueses têm salários em atraso.

Em entrevista ao Relvado, explica o que poderá ser feito para atenuar o problema e denuncia casos dramáticos de futebolistas que não têm dinheiro para as necessidades básicas. E não exclui o cenário de greve.

Relvado - 80 por cento de clubes profissionais com salários em atraso é um número assustador. A situação nunca foi tão grave?

Joaquim Evangelista - Acho que os agentes do futebol têm consciência da gravidade do problema. O Sindicato de Jogadores tem procurado não ter um discurso alarmista, mas este assunto tem de ser falado, não pode passar despercebido. Há casos de clubes com três, quatro e cinco meses de salários em atraso. E alguns têm dívidas referentes à época passada!

No futebol português, existe a ideia que não é grave ter um ou dois meses de salários em atraso... Enfim, toda esta situação cria enorme instabilidade emocional nos jogadores e nos treinadores, pois há incerteza em relação ao futuro. E também cria problemas de balneário, processos disciplinares, etc.

Relvado - O que poderá ser feito?

JE - O Sindicato vai pedir uma audiência ao Presidente da Liga e ao secretário de Estado da Juventude e Desporto. Esta questão tem de se resolver pela via de um licenciamento mais rigoroso. Chegámos a uma altura em que muitos jogadores não têm para onde ir. Eles querem acreditar na palavra dos dirigentes, mas há uma altura em que atingem o limite...

R - Para além de casos conhecidos de salários em atraso, como por exemplo União de Leiria e Vitória de Guimarães, existem muitos outros clubes com este problema?

JE - Sim, muitos mesmo. Muitos jogadores têm protegido os clubes, mas posso dizer que existem casos de presidentes de clubes que mandam cheques pessoais que depois são devolvidos porque não têm cobertura. E não há clubes que possam deitar pedras aos vizinhos. Pondero voltar a fazer algo que fiz há alguns anos, que é revelar a lista negra dos clubes incumpridores, isto se não houver uma disposição dos próprios clubes e da Liga em alterar esta situação.

R - Os jogadores poderão fazer greve?

JE - Eventualmente, mas também temos a consciência que uma greve não resolve tudo. Como disse, pedimos uma audiência à Liga e ao secretário de Estado, vamos ver o que vai acontecer. Se a Liga não assegura a verdade desportiva, é culpada por omissão.

R - O modelo de licenciamento não é eficaz. Como será possível torná-lo eficaz?

JE - Provavelmente o modelo de licenciamento deverá ser gerido por uma entidade exterior à Liga. Isto porque os clubes fazem parte da Liga e não vão querer tomar medidas mais rigorosas. O que é grave é que clubes cumpridores, como o Feirense, têm concorrência desleal. No Feirense, existe uma norma estatutária que impede que as dívidas transitem de uma época para a outra. O Feirense cumpre e está no último lugar, outros clubes não cumprem e podem contratar melhores jogadores. É uma concorrência desleal.

Poderia haver um fundo com uma percentagem das receitas dos jogos, de modo a dar uma resposta quando estes problemas acontecem. Se a Liga permite que se chegue a uma situação desta gravidade, naturalmente que o futebol fica desacreditado.

R - Vários jogadores têm rescindido contrato com os clubes nos últimos dias. Haverá mais rescisões nos próximos dias?

JE - Nestas circunstâncias, os futebolistas podem rescindir contrato e ir à vida deles. Vários jogadores estrangeiros têm-no feito. Já os portugueses protegem o clube, acreditam na palavra dos dirigentes e depois ainda são despedidos. E a posição dos clubes é inacreditável. Alguns vêm com a ameaça da insolvência. Dizem 'têm de aguentar, senão isto acaba', colocando o ónus nos jogadores.

R - Há casos dramáticos de futebolistas sem dinheiro para comer?

JE - Algumas situações são uma questão de sobrevivência. Há jogadores sem dinheiro para pagar a luz, a renda da casa, a escola dos filhos.

R - Os dirigentes são inimputáveis?

JE - Há muito aquela teoria segundo a qual alguns dirigentes investem dinheiro nos clubes, são uns altruístas... E a partir daí tudo é desculpado. Acho, aliás, que alguns dirigentes deveriam ser canonizados. A igreja devia inspirar-se no futebol português!

R - É contra o alargamento das competições profissionais...

JE - Não sou contra nem a favor quanto à questão em si, talvez daqui a uns dois anos haja condições para isso. Mas se a Liga não garante condições para 32 clubes, como poderá garantir para mais?

Sem comentários: